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Poemas

Escritas retiradas do livro Litoral, entre outras, inéditas e em formato visual.

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Pra valer

 

A inteligência

Depende muito mais do senso de observação

Do que do excessivo armazenamento de informações

 

 

Esferas



Os cães começam correndo atrás de um coelho que nunca alcançam
E nem sabem se gostam
E nem sabem se odeiam o coelho
E continuam correndo porque os outros também correm
Mesmo que não vejam mais o coelho
Até o ponto onde não notam mais nem os outros
Então eles cansam e se desesperam
Porque não esperavam ficar tão longe de si mesmos
...Voltam caminhando...
E pelo fato de voltarem de cabeça baixa
Vêem a si mesmos nas poças d‘água
Uma força humilde os impulsiona
E eles saem correndo felizes
Mas agora para mostrar aos outros
Que a diferença não está na corrida
E sim no sentido, e naqueles que se acompanham
Ninguém deve ficar pra trás!


Madrugada no olhar



Madrugada no olhar
Antes que o amanhecer misture todas as luzes
As que vejo, as que sinto, as que invento
Porque o dia trás as máscaras
Pra combinar com as fantasias da noite
E não dá pra definir a forma dos carros
Quando seus faróis retraem a íris
Os olhos embaçados ganham o mesmo efeito
Das lágrimas que ficaram no dia anterior
Sentado no meio-fio esclareço ao corpo o dês-sabor
De ainda mantê-lo acordado
Porque nessa hora todas as vontades foram desfeitas
E os preparos morrem a míngua
A fumaça de calor que se desprende
Na boca de esgoto, onde escoa a chuva das ruas
Ela me chama num ressoar de labirintos
Pensei em andar por suas galerias insones
Tocar nas paredes molhadas
E ir escorregando meu rosto no limo
Não sei bem onde levam os vãos...
Então tapei meus ouvidos
Levantei com os visgos dourados do amanhecer
Trepidando entre meus cílios
Só então percebi
Que meu corpo ainda permanecia no chão


Aljôfar



Sou o escritor contemporâneo
Desmontando as prateleiras do sono
Para colar nas paredes os meus desenhos
Todos feitos
Com as mesmas linhas das minhas palavras
Sou o escultor da massa de vidro
Que a tinta de tecido tingiu
Num quadro vivo
De uma natureza morta
Que ocupa em meu quarto a floresta invisível
Árvores submersas
Com galhos que ultrapassam a maré
Onde eu também subo
Pra que o sol não fique distorcido visto do fundo
 



Da noite

 

​Flocos de neve se acomodam sobre mim
E se mantém...
E não preciso que se derretam em minhas mãos
Para mostrar aos outros
Que o céu cobriu de branco o veludo cinzento dos dias
Me basta sentir a paz que me distrai do tempo
E me enrolar num cobertor
Quando voltar para dentro

Vozes



 

Falar é importante...
E o silêncio é o jardim de deus
Mas sem a comunicação
Seria o mesmo que um campo extenso e sem árvores
Elas é que nos mostram a voz no sopro da vida

Quando balançam as folhas ao vento




Lago íntimo do espírito



Vamos nadar no lago dos sonhos...
Se não gostares
Podes voltar
Para o porão em que te escondes na cidade
Sei que em qualquer lugar terás à frente o coração
Mas se vieres morar na beira destas águas
Poderás mergulhar o tempo todo
No espaço da tua alma refletida.
Se tiveres medo
Que as pequenas ondas distorçam tua visão
Feche os olhos e sinta
E siga as ondas
Quando, através dos teus olhos molhados
Elas tocarem teu coração


 

 

Monólogo secreto



Parte de mim é lâmina
Que exposta à luz
Produz hologramas na parede silenciosa da noite...
Nos mistérios da pele ardem sonhos
Riscos crepitados subindo na fogueira
Improvisada pelo sal dos meus olhos
Que se desmancha
Sou a sombra que o bosque esculpe nas vestes turvas do lago
Pra me acompanhar no escuro
Eu me projeto no fundo
E entre as plantas e pedras resguardadas de um sono líquido
Eu permaneço acordado
Mas isolado da falta vil dos desinteressados
Percebo que até os musgos umedecidos tem um sentido
Solitários compõem o abrigo dos espantados
Na sua verde solidão não existe definição para a minha
Os arpões são afiados dia-a-dia feito facas de cozinha
Apontados para o vão das costelas que emergem nas águas
O tesouro que procuramos é um baú de mágoas
Mas o sol que ilumina o caminho de crinas torna tudo espelhado
O tesouro é o invisível do que temos guardado, e entregamos...
Como a alma se entrega ao nirvana
Quando se encontra com a sua unidade
Que é a verdade na expansão sob os muros
Lada a lado com a sua metade
Antes de ir... Admiro os corais silenciosos
Ecoando o monólogo nas bolhas de ar que sobem do fundo
De mim... até parar


Degraus



Deposito minhas palavras
Como pedaços de mim que não voltam mais
Noites em que a lua me pega pelo braço
Sem que eu possa vê-la
E assim
Sem saber se é sonho ou verdade
Derramam-se as estrelas
E vejo até as que estão apagadas


Opaco



Quem não derrama lágrimas
Afoga o coração quando sorri


Derme



Poesia é o dom de decifrar sensações
Não de maneira que se possa entender
Mas morrendo na simetria das regras
Pra nascer na língua dos anjos
Direcionando caminhos sem rastros
E, de alguma forma se estende as próprias esquinas
Pelas linhas dos passos
Não há foices escondidas entre palavras
O que dói às vezes é que a pele está tão perto da alma
Que desatina e sangra um frio por entre os poros


Prece dos poetas



Amor nosso que estais no papel
Sincera seja a tua intenção
Venha a nós a vossa inspiração
Sejam lidas as nossas frases
Assim nos livros como no coração
A alegria de um espontâneo e interior sorriso nos dai hoje
Perdoai, às vezes, a nossa letra apagada no tempo
Assim como nós perdoamos
A quem nos tenha lido apenas com os olhos
Não deixai-nos escrever
Sem perceber que a poesia é mais do que um simples dom
Mas livrai-nos do caos intelectual
Sempre além!


Êxtase



Um dia todos os meus sentimentos
Hão de fluir tão energicamente
Que um só corpo não será o suficiente
Para abrigar meu coração
E então me partirei em mil pedaços


Copo do crepúsculo

A tarde se cobriu de bronze
E encheu de vinho meu pensamento
Sou o dia esperando pela noite
Com o copo do crepúsculo na mão...

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